Artigo do musicólogo Andrade Muricy, do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, escrito em 25 de setembro de 1963 por ocasião do lançamento do LP “Ouro Sobre Azul”. comemorativo do nascimento de Ernesto Nazareth (1863-1934), onde a pianista Eudóxia de Barros interpreta composições do célebre músico carioca.
Encontramos o texto reproduzido abaixo no site da pianista (1).
(transcrição do artigo)
...Coube-me, também, apresentar em primeiro lançamento no Rio de Janeiro, o disco intitulado “Ouro Sobre Azul”, Músicas de Ernesto Nazareth, na Interpretação de Eudóxia de Barros, Chantecler Internacional, HI-FI, CMG 1017.
(lista das músicas)
Lado 1:
”Ouro Sobre Azul” (tango)
“Sarambeque” (tango)
“Elegantíssima”(Valsa Capricho)
“Tenebroso” (tango)
“Labirinto”(tango)
“Coração que Sente”(Valsa)
“Fon-Fon” (tango)
“Bambino” (tango)
Lado 2:
“Batuque”(batuque)
“Apanhei-te Cavaquinho” (tango)
“Confidências” (valsa)
“Carioca” (tango)
“Escorregando” (tango)
“Duvidoso” (tango)
”Eponina” (valsa)
“Odeon” (tango)
“Brejeiro”(tango)
Vem enriquecido por uma nota esclarecedora, da autoria de um dos maiores conhecedores da obra de Nazareth, Mozart de Araújo.
Primeira característica que traz esse disco: uma intérprete de elevada classe (uma das maiores pianistas jovens do Brasil de hoje), Eudóxia de Barros. Vem da mesma terra que deu Antonietta Rudge, Guiomar Novaes, Souza Lima, Yara Bernette, Ana Stela Schic: São Paulo.
O seu merecimento excepcional foi-me revelado quando aqui esteve para interpretar um programa inteiramente composto de produções dos alunos de composição de Camargo Guarnieri. Exteriorizou aquelas obras juvenis de cór, e como se as tivesse por definitivamente integradas ao seu repertório: a sério. Mais tarde, gravou em disco (que não pude ouvir) esse programa.
Quando me constou que a ilustre jovem artista iria gravar obras de Nazareth, não me surpreendeu, nem me assustou que viesse a ter êxito. A sua compreensão da música brasileira evidenciada ao interpretar os discípulos daquela “posteridade” a que me referira ao tratar da obra do Padre Jaime Diniz. Afinal, nem todos podem ter ouvido Nazareth tocar, ou mesmo os grandes intérpretes seus contemporâneos.
Sabemos que Nazareth dominava uma escritura sem par entre todos os compositores populares do Brasil, e mesmo - afirmo-o até que me apresentem prova em contrário - do mundo. Ainda assim, como sentiu e escreveu Darius Milhaud, havia muito de “insaisisable” em sua execução de suas próprias músicas, querdizer: algo que não conseguia notar. Morto Nazareth, e alguns dos seus contemporâneos, como Hemrique Vogeler, o que aí está são os seus textos, e com eles tem de se haver os intérpretes. Eu vinha observando que os pianeiros, quase todos, não mais podiam executar Nazareth. Abra-se exceção para Carolina Cardoso de Menezes. Eram os pianistas de classe, de há muito, que o faziam: Arnaldo Rebello, Mignone, Radamés Gnattali, Mário de Azevedo, Aloysio de Alencar Pinto (2): mais recentemente Homero de Magalhães, Gerardo Parente, Murilo Tertuliano dos Santos, outros ainda. Desses, alguns aproximam-se mais da aludida “tradição”; outros, chegaram a dar versões sem dúvida válidas e interessantes, porém distanciadas da ortodoxia nazarethiana.
Eudóxia de Barros trazia para esta sua performance a sua admirável técnica, a sua enorme capacidade de estudo (- todas as suas músicas são minuciosamente dedilhadas e anotadas, como pude ver-), o seu temperamento vivaz, a sua inteligência musical rara. Antes que gravasse aquele elenco nazarethiano, ouvi executá-lo, na Ricordi, em São Paulo. Convenceu-me. Esta gravação é um modelo de limpidez; de domínio técnico; de vibratilidade: de achados de sonoridade, por vezes, como nos graves do “Batuque”, quase sempre percutidos duramente, e aos quais Eudóxia de Barros dá um eficaz tratamento por meio do pedal e das teclas somente abaixadas. Impressionante, a segurança dos seus baixos, portanto da rítmica nazarethiana, tão rica e empolgante: a admirável regularidade do acompanhamento de viola, em “Apanhei-te Cavaquinho” e“Ameno Resedá”.
Três das peças sobrelevam a meu ver, as demais em adequação da grande técnica, revelando a superioridade, nesse terreno de Nazareth até mesmo comparado com muitos compositores eruditos, ao sentido musical não somente instintivo, porém pensado, e eminentemente artístico, da substância musical: a valsa “Confidências”; o tango carioquíssimo “Carioca”; a mais perfeita das valsas de Nazareth: “Eponina”.
Na 1a. face: “Tenebroso”, o rei dos “tangos brasileiros”, um dos mais belos noturnos violoneiros jamais escrito. Questão de preferência, porquanto tudo está ali realizado com clareza e sentimento. Na discografia nazarethiana, em que sobram os arranjos, e os acompanhamentos espúrios, este disco da Chantecler toma importância didática: é do Nazareth sem acréscimos, nem ornamentos banalizadores.
Compreende-se que a ilustre educadora Eulina de Nazareth tenha querido assistir de pé a primeira audição desse disco. Discursando, após, celebrou o seu aparecimento, bem como agradeceu ao novo Acadêmico, Padre Jaime Diniz, a preciosa homenagem à obra do seu eminente Pai, representada pelo seu excelente livro (3).
Notas:
1 - Fonte: site da pianista
2- pianista, compositor e musicólogo, nascido em Fortaleza, em 1911, talvez hoje a única pessoa viva que conheceu Ernesto Nazareth;
3 - Pe. Jaime Diniz. "Nazareth: estudos analíticos". Recife: DECA, 1963.
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